sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Você sou eu que me vou no sumidouro do espelho.


Afinidade a gente não pede e nem aprende a ter. Começa onde nascemos. Muita com um, pouca ou nenhuma com outro. Depois, vamos descobrindo mais gente com quem nos identificamos mais. Um vizinho, um colega de sala, um tio, uma prima.

Os amigos só se tornam amigos por alguma afinidade. Quando reúno os meus, acho engraçado. Tem muita gente que se afina, mas tem outros tão diferentes entre si... E todos são caros e queridos. Isso eles têm em comum.

Tive uma amiga inseparável durante dez anos. A mais inseparável de todas. E a gente se desligou completamente há oito anos. Tínhamos afinidades que pareciam fortes, mas que não resistiram nem às escolhas da vida de cada uma. Lavamos roupa suja várias vezes, e não adiantou nada. Ficou tudo parado, mal resolvido. O tempo e a vida se encarregaram de resolver. Hoje, olhando para os meus antigos e novos amigos, vejo que não me afino mais com esse modelo. Encontrá-la, hoje, não é bom nem mau. É esquisito, apenas.

Afinidades amorosas: taí um assunto que dá nó em minha cabeça. Minha mãe se separou de meu pai por “incompatibilidade de gênios”. Judicial e domesticamente falando. A discrepância no modo de encarar a vida era enorme entre eles. E nos dias de carnaval aumentavam os desenganos, como diz a música do Aldir e do Guinga. Um sempre quis gente por perto. O outro, bicho. Um gostava de piano. O outro, de passarinho. Um queria cidade. O outro, roça. E olha que tudo isso pode ser facilmente conciliado. Mas acho que os dois não são dados a conciliação. Aí estava o problema. Acho também que se amaram muito. Mas só por um tempo.

Quando conheci meu primeiro namorado, eu tinha quinze anos. Ele já era um homem. Tínhamos afinidades que justificaram quatro anos de relacionamento. Mas nenhuma que justificasse comemorar os meus vinte anos de idade ao seu lado. Em janeiro deste ano, conversei com ele por telefone. Reclamou por não ter mais notícias minhas. Eu disse: “Sempre chamo você pra me ver cantar”. Ele me respondeu que nunca tinha ido porque o fato de eu ser cantora não fazia diferença pra ele. “Eu não conheci essa Elena”, disse. Vejo que não conheceu mesmo.

Afinidades benditas e malditas. Se o amor não é tudo, a afinidade também não é. Os dois podem coexistir em alguns momentos, por um tempo ou sempre. E às vezes não coexistem. Vão e vêm, e matam a gente de prazer e de dor - não necessariamente. Mas, como um mal necessário, aparecem “nos bares, na cama, nos lares, na lama”.


quinta-feira, 9 de outubro de 2008

A vida quer achar sua expressão mais simples.



Ná Ozzetti. Pra mim, perfeita. Porque atingiu um grau de simplicidade raro - e tem muita gente que nem se dá conta do quanto ser simples assim é genial. Porque tira tudo o que sobra e lança mão do que tem com delicadeza, elegância. Ela encanta, literalmente, meus ouvidos e olhos (muito míopes).

Essa cantora também sabe escolher suas companhias. Com os compositores, arranjadores e instrumentistas que elege, mostra um pedaço soberano da música atual. Quanto digo atual, não me refiro à chatice conceitual de “música deste século”. Ainda não tivemos no Brasil outro movimento tão forte quanto a Bossa-Nova e o Tropicalismo. E sabe Deus quando vamos ter. Mas há uma infinidade de novos e velhos artistas recriando por todos os lados desse país e do mundo. E isso é pouco?
Não sei o que é (ou será) a música do século XXI. Quem fala em música deste século se refere a quê? Espera o quê? A Ná não espera. Pega e faz muito bonito. Ser irmã de Dante Ozzetti não foi escolha, foi merecimento. Ser da vanguarda paulistana, escolha e merecimento. Na sua companhia tem gente como Paulo e Luiz Tati, Ernesto Nazareth, que é do século atrasado, Jards Macalé, André Mehmari, que é novo em folha, e o inclassificável José Miguel Wisnik.

Venho aprendendo que simplicidade não é pra todos mesmo. Um dia eu vi um Vox Populi com a Elis. Neste programa, o povo entrevistava o artista ou personalidade. Uma moça que passava na rua queria saber porque a Elis estava gravando coisas ruins. Não sei a que músicas ruins ela se referia. Acho que nem a Elis soube. Mas a cantora tratou logo de se defender: “Olha, eu gravo o que tem”. E o que “tinha” era Milton Nascimento, Edu Lobo, Chico Buarque, Adoniran Barbosa, Rita Lee, Ronaldo Bastos, gente desse naipe. Acho que a Ná Ozzetti responderia: “Nossa, mas eu só gravo coisas lindas.”
Simples assim. Ná ponto poderosa ponto com.

“Mais Simples”, do José Miguel Wisnik, está disponível nos comentários, com o autor (olha que luxo) e com a Ná Ozzetti. Aliás, essa música dispensa meus comentários. Os de vocês são sempre bem-vindos. Abaixo, “Show”,com a Ná.