domingo, 26 de julho de 2009

É um barato a discoteca do Chacrinha.


Entre o final dos anos 70 e início dos 80, o programa do Chacrinha me apresentou Sidney Magal, Odair José, Fernando Mendes. Fábio Júnior, Dalto, Marcos Sabino, Ritchie. E eu era fã principalmente do Magal e do Ritchie. A patrulha ideológica começava em casa: mãe, irmãos e até minha avó, que gosta daquela aberração do Agnaldo Timóteo, censuravam. Acho que eles tinham medo de que eu me tornasse uma daquelas "macacas de auditório" que iam chorar na platéia do Chacrinha. Aquilo era um horror mesmo. Eu achava muito engraçado. Com os amigos, eu curtia o pop rock que surgia nos anos 80. Dividir a trdicional MPB com a pirralhada já era difícil. Assumir pros amigos que eu gostava de samba, que a família inteira curtia, era mais difícil ainda. Imagina música brega? Mas até hoje observo, nos bons finais de festa, que as pessoas conhecem o repertório cafona brasileiro e gostam. Fecham os olhos pra cantar, fazem gestos caricatos, brincam, pra não assumir, mas gostam.

E, felizmente, hoje tenho alguns amigos que curtem de verdade. Tem gente que acha que é modismo, zoação, mas não é. Outro dia, senti que o pai de um colega, que deve ter seus 55 anos, ficou decepcionadíssimo comigo porque eu falei que curtia Odair José. Por mais refinadas que sejam as referências musicais do indivíduo, todo mundo tem uma identificação com os traços dessa música exageradamente sentimental. Está no sangue latino, mas está no saxão e até no nipônico. Já ouviram as músicas japonesas da trilha de Kill Bill? Parece que saíram do México, do Uruguai.

Odair José é um dos meus preferidos. Sua música é simplória e inteligente. Muita gente acha banal, mas ninguém de sua época falou tanto das minorias com tanta clareza e sinceridade. E quem vendia, mesmo, nos anos 70, eram artistas como ele. Chico Buarque e Caetano Veloso, que por sinal apoia esse tipo de música desde a Tropicália, eram considerados cult. E vendiam apenas para o público mais engajado, segundo Paulo César Araújo, autor do Livro Eu não Sou Cachorro Não – Música Popular Cafona e Ditadura Militar. Outro emblemático: Waldick Soriano. Minha mãe adora Torturas de Amor. Mas eu me lembro dela falando assim: “Essa música é muito bonita. Será que é dele mesmo?” Olha que absurdo!

Magal foi criado por Paulo Coelho, quando este era produtor. Em Arrombou a Festa, do Paulo Coelho e da Rita Lee, ele mesmo arrasa sua criatura: “Cigano de araque fabricado até o pescoço.” É verdade. Mesmo assim, acho o Magal um artista fabuloso. Canta bem pra caramba, tem um swing impressionante e um excelente domínio de palco. Adoraria ser backing vocal dele.

Paulo Sérgio, como Odair José, alavancou sua carreira imitando Roberto Carlos. O trabalho dele não tem um décimo da qualidade do que o Roberto fazia na época. Os arranjos são precários, com teclado tosco imitando cordas. E o contrabaixo é sempre desafinado. Mas o cara era carismático e tinha uma musicalidade incrível. Era depressivo e foi um grande incentivador dos cortapulsos. Um dia, uma manicure me emprestou um cd dele. Levei para ouvir no trabalho, à tarde. Uma colega me pediu: "por favor, tire esse CD porque eu estou ficando deprimida, com vontade de morrer". Ele tinha esse poder. O sucesso do Paulo Sérgio incomodou o Rei. O nome do álbum O Inimitável, de 1968, é uma referência à sua imitação descarada. Perla também é bacana, apesar de só ter gravado versões, inclusive dos suecos do ABBA, que também são cafonas demais. Ah, e gosto de uma música com a Kátia Cega. Maldade, mas já virou sobrenome mesmo. Ela canta muito mal, mas a interpretação de Lembranças, de Roberto e Erasmo, é bem legal.

Que fique bem claro: gosto de música brega autêntica, por mais complexo que isso seja, e com personalidade. Isso não tem nada a ver com pagode ruim, breganejo e afins.

Tenho muita vontade de cantar as músicas desses artistas. Ainda não encontrei quem animasse fazer um trabalho assim comigo. Mas não desisti. E vou fazer com o maior carinho e respeito. São músicas que falam bem dentro de mim de muita gente, eu sei.
Então, com vocês, o cigano de araque e sua cigana Sandra Rosa Madalena. "Cantem!" "Comigo!"

domingo, 5 de julho de 2009

Hoy en mi ventana




Hoje, descobri uma cena de um filme que ainda não vi. Cria Cuervos, do espanhol Carlos Saura. Conta a história de três crianças que ficam sob a guarda da tia depois de perder os pais de maneira estúpida. Vi só uma cena e fiquei muito emocionada. É linda. As crianças dançam Por Que Te Vas. Devia ter a mesma idade da menininha de vermelho quando essa música chegou pra mim. A Lílian cantava a versão, Eu Sem Você. Meu irmão tinha o compacto. Do outro lado, tinha Eu sou Rebelde, que também é versão. Ouvia Eu Sem Você sem parar. Cantava, dançava, imitava a Lílian. Adorava os naipes de metal do arranjo, idêntico ao original.
Em 2003, fazia uma oficina de teatro. E a professora me pediu que levasse uma música pra cantar na montagem de um texto do Murilo Rubião, O Convidado. Pensei durante uma semana sobre o que poderia escolher. Tinha de se encaixar com a cena de uma barca que vai embora. O texto é puro realismo fantástico. A história não é datada, não se passa em nenhum lugar específico. E o final é uma incógnita. Só conseguia pensar em Eu Sem você. Um colega sugeriu que eu a cantasse em espanhol. Adorei a experiência e a música passou a ser mais importante ainda pra mim. Senti que consegui realizar um desejo de criança. E vendo a história triste do filme, hoje me lembrei da minha infância. Muito mais alegre. Cercada de amor e cuidado. Eu só conhecia a tristeza das músicas e dos filmes. Mas, de alguma forma, ela já me tocava. Parecia dizer: "uma hora eu vou te visitar". Visitou e foi embora várias vezes. De vez em quando, volta. Mas não agora. Hoy en mi ventana brilla el sol. Não tem muito lugar pra ela aqui. Mas que é bonita, é.

Em "comentários" tem o link da cena. Abaixo, Por Que Te Vas, com a Jeanette.