quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Eu me lembro muito bem. Foi numa véspera de Natal.



“Então é Natal”. Que saco. Não vou me martirizar, mas tenho que reconhecer que não cumpri meus planos feitos no ano passado para esse dia 24 de dezembro. Queria passar a noite em alguma atividade verdadeiramente útil pra alguém. Mas tinha que ser nessa noite mesmo. Pra mim, essa é a parte mais difícil.

Quase sempre foi assim. A impressão que eu tenho do Natal com a minha família é de que nunca queremos estar no lugar onde estamos. Acho maravilhoso quando se tem uma família grande, unida, e todo mundo se encontra, por prazer, pra trocar abraços, presentes, contar como anda a vida. Houve uma época em que logo depois da meia-noite eu corria para a casa de um amigo. Ele é ateu, mas fazia questão de proporcionar um Natal muito divertido pra uma renca de gente. Tinha de tudo: peru, frutas, presentes pra todo mundo (geralmente livros e CDs), vinho e muita festa. A campainha da casa dele tocava a madrugada inteira. E no final, quando amanhecia, uns amigos iam embora e outros ficavam por lá mesmo. Isso se repetiu por alguns anos, mas acabou.

Já foram ao centro da cidade este ano? Eu já. Como em toda época de Natal, tá deprimente: um dilúvio caindo, uns loucos gritando ao microfone pra chamar o povo. Só que, neste ano, muitos vendedores estão de braços cruzados. E o povo, por enquanto, só olha as vitrines. Mas até o dia 24 isso vai mudar. Sempre muda. Menos o dilúvio e as musiquinhas. E quando chego em casa ouço a Simone parecendo uma cabrita, gritando da casa da vizinha. E olha que hoje ainda é dia 17 de dezembro. O que será que essa vizinha reserva para o dia 24, heim?! A Simone, eu não quero nem imaginar. Temos uma das melhores músicas do mundo. Mas a gente prefere versões ridículas como essas que ela canta.

A marujada, o fandango e o congado
é que deveriam fazer parte do nosso Natal. Teríamos um Natal bem brasileiro. Eu conheço uma moça que nasceu e mora numa cidade histórica do interior de Minas, e ela tem medo de congado. Eu posso com isso? Não seria muito mais legal se a gente ouvisse Calix Bento nesta época em vez de Então é Natal? Se a gente visse as guardas de congado de Contagem e de Oliveira passarem pelas avenidas em vez do caminhão da Coca-Cola?

Procurei uma música do Adoniran Barbosa pra vocês, mas não encontrei. Chama-se Véspera de Natal. Ouçam, se puderem. Primeiro ele mostra um quadro triste, até contundente: a mulher chateada, as crianças chorando, a família sem dinheiro pra dar presente. O pai, então, tem a idéia de juntar uns trocadinhos pra comprar uns pães de mel e se vestir de papai-noel, surpreendendo a família, entrando pela chaminé. Mas, como a história é do Adoniran, termina assim:

“Ai meu deus, que sacrifício
O orifício da chaminé era pequeno
Pra me tirar de lá
Foi preciso chamar os bombeiros”.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Vamos mergulhar do alto onde subimos.


Só depois fui saber que um daqueles magrinhos do Inimgos do Rei era ele. Um dia ouvi sua música na novela da Globo, O Último Dia. Achei muito forte aquilo: “o que você faria se só te restasse esse dia”. Aliás, esta foi a primeira música do Paulinho Moska que cantei. Lembro de não conseguir pronunciar “trepava” porque meu pai estava na platéia. Cantei “transava” (ainda bem que eu mudei, e até meu pai mudou).

O mimetismo do Moska já chegou a me incomodar. Acho que eu não o compreendia muito bem. Depois fui me envolvendo com cada uma de suas histórias de uma maneira diferente. Fui descobrindo o intérprete sensacional que ele é. E no palco? Nem é tietagem. Acho ele o máximo mesmo. Eu tenho até planos pro Moska (que ainda não sabe). Mas eu acredito neles. “A esperança é um dom que eu tenho em mim”.

Tem um traço latino muito forte e muito peculiar nas suas composições. O discurso é sempre direto, claro, na veia. E com a mesma intensidade do meio choro e meio tango Paixão e Medo ele canta Retalhos de Cetim, do Benito di Paula. E Sonhos, do Peninha. Tudo nesse artista me inspira. É sempre muito: muito lírico, muito romântico, muito duro, muito preciso, muito passional. E tudo o que vem dele é de uma vitalidade sem tamanho. Faz a gente se tocar pra coisas simples e fundamentais como “vamos celebrar nossa própria maneira de ser”.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

O mais complicado e o mais simples pra mim.


O que faz de mim uma pessoa feliz, além da gratidão (nada cristã) por tudo o que eu tenho, é ter vivido belas histórias. Dessas que somam mais uma música, uma cor, um cheiro, uma sensação nas mãos, no peito, e às vezes fazem a gente se perder.
Outra Vez é uma das músicas mais badaladas do repertório do Roberto Carlos, com execução obrigatória nos seus shows. O público adora cantá-la junto com ele, diz o biógrafo desautorizado do Rei, Paulo César Araújo. Ele conta que essa música começou a ser composta a partir de uma conversa da autora, Isolda, com o ex-namorado. Depois de 7 anos de afastamento, ela ligou sem se identificar e perguntou: “Qual foi o seu caso mais complicado?” Ele respondeu: “Como vai, Isolda?” Assim começou a ser contada essa bela história de amor que todo mundo conhece.
Fala dos abraços que a gente nunca esquece, das mais estranhas histórias, dos melhores erros, das mentiras sinceras, da saudade que a gente gosta de ter. É sucesso desde 1977, quando foi gravada pela primeira vez. Já recebeu mais de 150 regravações aqui e em outras partes do mundo. A autora diz que não foi composta pra ser triste. O Roberto Carlos, sim, é que a interpreta quase chorando. Uma linda tristeza que muitas vezes combina perfeitamente comigo. E creio que com mais uma pá de gente. Lendo a letra tentando não incluir a melodia sentimental e a interpretação pungente do Rei é possível até achá-la mais leve.

Outra vez tem um pouco de esperança. É como se a gente aguardasse “por um segundo mais feliz”.


sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Você sou eu que me vou no sumidouro do espelho.


Afinidade a gente não pede e nem aprende a ter. Começa onde nascemos. Muita com um, pouca ou nenhuma com outro. Depois, vamos descobrindo mais gente com quem nos identificamos mais. Um vizinho, um colega de sala, um tio, uma prima.

Os amigos só se tornam amigos por alguma afinidade. Quando reúno os meus, acho engraçado. Tem muita gente que se afina, mas tem outros tão diferentes entre si... E todos são caros e queridos. Isso eles têm em comum.

Tive uma amiga inseparável durante dez anos. A mais inseparável de todas. E a gente se desligou completamente há oito anos. Tínhamos afinidades que pareciam fortes, mas que não resistiram nem às escolhas da vida de cada uma. Lavamos roupa suja várias vezes, e não adiantou nada. Ficou tudo parado, mal resolvido. O tempo e a vida se encarregaram de resolver. Hoje, olhando para os meus antigos e novos amigos, vejo que não me afino mais com esse modelo. Encontrá-la, hoje, não é bom nem mau. É esquisito, apenas.

Afinidades amorosas: taí um assunto que dá nó em minha cabeça. Minha mãe se separou de meu pai por “incompatibilidade de gênios”. Judicial e domesticamente falando. A discrepância no modo de encarar a vida era enorme entre eles. E nos dias de carnaval aumentavam os desenganos, como diz a música do Aldir e do Guinga. Um sempre quis gente por perto. O outro, bicho. Um gostava de piano. O outro, de passarinho. Um queria cidade. O outro, roça. E olha que tudo isso pode ser facilmente conciliado. Mas acho que os dois não são dados a conciliação. Aí estava o problema. Acho também que se amaram muito. Mas só por um tempo.

Quando conheci meu primeiro namorado, eu tinha quinze anos. Ele já era um homem. Tínhamos afinidades que justificaram quatro anos de relacionamento. Mas nenhuma que justificasse comemorar os meus vinte anos de idade ao seu lado. Em janeiro deste ano, conversei com ele por telefone. Reclamou por não ter mais notícias minhas. Eu disse: “Sempre chamo você pra me ver cantar”. Ele me respondeu que nunca tinha ido porque o fato de eu ser cantora não fazia diferença pra ele. “Eu não conheci essa Elena”, disse. Vejo que não conheceu mesmo.

Afinidades benditas e malditas. Se o amor não é tudo, a afinidade também não é. Os dois podem coexistir em alguns momentos, por um tempo ou sempre. E às vezes não coexistem. Vão e vêm, e matam a gente de prazer e de dor - não necessariamente. Mas, como um mal necessário, aparecem “nos bares, na cama, nos lares, na lama”.


quinta-feira, 9 de outubro de 2008

A vida quer achar sua expressão mais simples.



Ná Ozzetti. Pra mim, perfeita. Porque atingiu um grau de simplicidade raro - e tem muita gente que nem se dá conta do quanto ser simples assim é genial. Porque tira tudo o que sobra e lança mão do que tem com delicadeza, elegância. Ela encanta, literalmente, meus ouvidos e olhos (muito míopes).

Essa cantora também sabe escolher suas companhias. Com os compositores, arranjadores e instrumentistas que elege, mostra um pedaço soberano da música atual. Quanto digo atual, não me refiro à chatice conceitual de “música deste século”. Ainda não tivemos no Brasil outro movimento tão forte quanto a Bossa-Nova e o Tropicalismo. E sabe Deus quando vamos ter. Mas há uma infinidade de novos e velhos artistas recriando por todos os lados desse país e do mundo. E isso é pouco?
Não sei o que é (ou será) a música do século XXI. Quem fala em música deste século se refere a quê? Espera o quê? A Ná não espera. Pega e faz muito bonito. Ser irmã de Dante Ozzetti não foi escolha, foi merecimento. Ser da vanguarda paulistana, escolha e merecimento. Na sua companhia tem gente como Paulo e Luiz Tati, Ernesto Nazareth, que é do século atrasado, Jards Macalé, André Mehmari, que é novo em folha, e o inclassificável José Miguel Wisnik.

Venho aprendendo que simplicidade não é pra todos mesmo. Um dia eu vi um Vox Populi com a Elis. Neste programa, o povo entrevistava o artista ou personalidade. Uma moça que passava na rua queria saber porque a Elis estava gravando coisas ruins. Não sei a que músicas ruins ela se referia. Acho que nem a Elis soube. Mas a cantora tratou logo de se defender: “Olha, eu gravo o que tem”. E o que “tinha” era Milton Nascimento, Edu Lobo, Chico Buarque, Adoniran Barbosa, Rita Lee, Ronaldo Bastos, gente desse naipe. Acho que a Ná Ozzetti responderia: “Nossa, mas eu só gravo coisas lindas.”
Simples assim. Ná ponto poderosa ponto com.

“Mais Simples”, do José Miguel Wisnik, está disponível nos comentários, com o autor (olha que luxo) e com a Ná Ozzetti. Aliás, essa música dispensa meus comentários. Os de vocês são sempre bem-vindos. Abaixo, “Show”,com a Ná.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Mas sei o que me importa e quero ter comigo.



Patrulha ideológica faz tudo envelhecer. Inclusive a gente. E ver música sob esse molde deixa tudo duro, engessado. Alguém imaginaria uma parceria do Cazuza com a Joana? Aquela mesmo, do “namorado ocupado”. Pois eles têm uma linda. A cantora fez uma música muito especial pra letra dele e saiu “Nunca sofri por amor”.

Eu fico pensando em quanta coisa se perde ou deixa de acontecer em nome desses nossos ransos. Continuo não suportando música descartável, feita pra vender horrores em quinze dias. Mas espero ter sensibilidade suficiente pra sempre descobrir coisas boas, de onde quer que elas venham. Outro dia me deparei com algo que, por birra e por preconceito, achava impossível existir: uma música boa da Ana Carolina. E pra sorte dela (e minha) quem cantava era a Zizi Possi. Mas se a música fosse ruim não teria jeito. Nem Zizi salvaria. Dizer que uma música é boa ou ruim é no mínimo subjetivo, eu sei. Cada um tem seus padrões, conceitos e preferências. Chamamos isso de gosto. E gosto, meus amigos...

Bem no estilo da poesia do Cazuza, a letra de “Nunca sofri por amor” esconde uma certa delicadeza no discurso de auto-suficiência excêntrica que já começa pelo título. Acho bonito quando sai doçura desses rompantes agressivos. Por exemplo, adoro os momentos delicados da Cássia Eller. Levantar a blusa no show e coçar o “saco” num desfile de moda era bem a cara dela. Mas, ficar encabulada e ser respeitosa também era. Ela sabia ser muito delicada nas interpretações, como se não fosse a mesma pessoa que cantava “Rubens, não dá”. É desse contraste que eu gosto. Um dia trombei literalmente com a Cássia Eller no caminho do banheiro de um bar daqui. Como eu costumo dizer, ela foi “uma fofa”, na forma de olhar, de pedir desculpas, de sorrir. Com o Cazuza eu nunca trombei. Mas sei que, entre outras coisas, ele também sabia ser doce, e que era um confesso apaixonado pelos amigos. Dizia que ficar entre eles era o que mais lhe fazia feliz.

A Joana ficou conhecida nos anos 80 cantando coisas bem sofríveis. Mas, que é uma grande intérprete, não dá pra negar. Pra quem não sabe, ela é a musa de “Nos Bailes da Vida”. E eu sempre achei que pra ganhar uma homenagem dessas era preciso ter uma história muito interessante. E ela tem. Um dia, buscou o caminho que ia dar no sol.

“Nunca sofri por amor” está aí pra vocês, junto dos comentários.

sábado, 30 de agosto de 2008

Rio de prata, pirata, vôo sideral na mata.



Esta capa é da versão original da trilha do “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, de 1977.

Não é que a gente não tenha mais música infantil boa pra ouvir e aplicar os filhos e os sobrinhos. Mas é que antigamente essas coisas preciosas apareciam nos comerciais da Globo, e a gente infernizava o ouvido do pai e da mãe até ganhar. Hoje, os pobres pais têm que sair garimpando as boas produções. E, logicamente, ninguém vê um menino pedir de aniversário o último CD do “Palavra Cantada”, o infantil do “Amaranto”, o da “Adriana Partimpim”. Os pais, então, (não são todos) esquecem essas buscas de lado. Eu mesma, que tenho sobrinhos, não me lembrava mais dessa trilha.

Me deliciei com as perolazinhas que eu ouvia à tarde, chegando da aula. Tem o tema principal do Gil (que a gente só lembra da primeira e da segunda parte), tem um espetáculo de música do João Bosco, “Meu caro Visconde”. Tem a Lucinha Lins cantando “Narizinho”, bem diferente da versão da Ivete Sangalo. Tem os Doces Bárbaros em uma performance muito engraçada, cheia dos uivos da Gal e do Gil. Essa dá pra pular. A "Tia Nastácia" é de Dorival Caymmi. E tem o Jards Macalé cantando “Tio Barnabé” com a Marlui Miranda, que até hoje continua sumida. Aliás, um dos melhores e mais desconhecidos CDs do Gil tem várias participações dela, “O Sol de Oslo”.

Voltando ao “Sítio”, mais uma vez sou obrigada a dizer que música boa não fica velha. As dessa trilha são todas inventivas e inteligentes. E a maioria dos arranjos permanece muito atual. Postei nos comentários o link para ouvir o CD completo. Pra comprar, é só buscar no Google.

Os caminhos mudaram, mas a gente ainda encontra um universo paralelo pra ir e levar as crianças.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Viva o cordão azul e encarnado.


Estou me imaginando em outro lugar. Sem velhos amigos, sem sobrinhos, sem cerveja gelada e carne cozida de boteco. Sem lata de amendoim entre as mesas esquentando as costas e as pernas. Muita coisa nova se apresentando, aplacando o vazio, preenchendo o espaço.

Estou me perguntando do que é feita a minha saudade. A saudade do Caetano tem Santo Amaro, tem o “ai” da mãe, o “ui” da irmã. A do Gil e do Dominguinhos tem uma inquietação que chega a doer. “Não sei comer sem torresmo” diz muito da gente. Eu também não sei fazer um tanto de coisa sem mais um tanto de coisa. A saudade do Djavan tem as brincadeiras de infância. Aliás, alguém sabe porque o “Serrado” dele é com “s”? Será que ele se sentiu serrado do passado? Se um dia eu for embora, vou me serrar do estandarte de São João do Carneirinho, do telefone tocando no meio da noite, do lanche servido na cama mole da minha mãe. A saudade tem muita coisa, muita gente, muitos cheiro, muito sabor. Tem quinquilharias mentais - essas, sim, me acompanham por onde vou.

Estou pensando se quando a gente vai embora deixa a impressão de que está mais feliz do que quem fica. Pode ser. E acho que, feliz mesmo, a gente fica é quando volta. Como diz o Gil, uma hora a gente aprende que ter ido foi necessário pra voltar.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Se a gente falasse menos, talvez compreendesse mais.


Coisa esquisita, esse Devendra Banhart. Tive a grata surpresa de descobrí-lo quando buscava o Rodrigo Amarante no google. Ele canta uma música no disco do Devendra. Na busca, dei de cara com esta foto. Achei que o figurino fosse de odalisca. Mas é de Carmem Miranda.

O Devendra é texano, é filho de indianos, foi criado na Venezuela e hoje mora em San Francisco. Canta em inglês, espanhol e em português também. Entre seus ídolos estão Bob Dylan, Caetano Veloso, Mutantes e Secos e Molhados. Nas suas músicas, a gente percebe essas e outras influências. Ele mesmo fala de todas. Ele é debochado. Disse que queria gravar um disco em brasileiro, não em português. Cada música é muito diferente da outra. No CD que baixei, Smokey Rolls Down Thunder Canyon, tem rock, samba (tem que avisar que é samba), tem um coro gospel e traços da música oriental em vários momentos. Tem uma que é puro Stan Getz, outra lembra Led Zeppelin. Em outra, ele canta o “din gon din gon gon din din” de “Acabou Chorare”. Tem também um rockezinho romântico anos 60.

O som não tem nada de novo e é muito bom. A gente percebe que o cara canta e compõe o que gosta e pronto. Enquanto procurava saber mais sobre ele, encontrei várias definições: roqueiro, roqueiro-folk, tosco, psicodélico, hippie, étnico, zen e mendigo são só algumas. É impressionante a mania que as pessoas têm de rotular quem não quer rótulo. E a crítica “especializada” tem que comparar. O Devendra já foi comparado até à Billie Holiday, e eu ainda não entendi de onde vem a semelhança. Engraçado demais isso. Ela, se resolver se remexer no túmulo cada vez que alguém a comparar com um artista novo. Uma dessas últimas foi com a Madeleine Peyroux. É verdade que a cantora tem um timbre que lembra o da Billie Holiday. E também que a imita descaradamente nas inflexões, nos fraseados, em tudo. Mas o pessoal acha isso bonito e faz juízo de valor em cima da semelhança do timbre. Mania chata, essa. É desrespeitoso com a veterana e desconcertante para “a nova Fulana de Tal”. Se bem que há quem ache que isso é elogio. Então, com o Devendra não poderia ser diferente. Melhor ouvir. Coloquei nos comentários o link de um clip dele, “Carmensita”, com a participação da namorada, a Natalie Portman. Um jornalista português disse que “os efeitos especiais têm qualidade duvidosa”. Hahahahahahahahahaha!!!

Quem souber onde eu encontro um mendigo desses, por gentileza, entre em contato.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Agora que esses detalhes estão pequenos demais.






Enquanto eu montava o repertório do meu primeiro show, um amigo me ligou e colocou uma música pra eu ouvir. Quem cantava era Chico César e a música era “Em nome de Deus”, do Sérgio Sampaio. Até então, dele, só conhecia “Eu quero botar meu bloco na rua” e outra que um querido ex-namorado cantava lindamente, “Viajei de Trem”. Comecei, então, a vasculhar sua vida e obra e descobri coisas maravilhosas. Ele era um daqueles malditos que brigavam com gravadora e, por castigo, ficavam na geladeira. Acontece que ele ficou na geladeira até morrer. Uma pena. O cara tinha uma vitalidade enorme pra cantar e um talento incomum pra compor música boa. Faleceu em 1994, com quarenta e poucos anos.

Naquele primeiro show, não incluí nenhuma música dele. Mas, no seguinte, coloquei logo três. Uma delas é “Meu pobre blues”. Foi composta para o Roberto Carlos, que é conterrâneo do Sérgio. A própria música é um pedido para que o Rei a grave. E como aconteceu com várias outras, feitas com o mesmo propósito, não foi gravada por Sua Majestade.

Quando eu cantava essa música, sentia uma emoção muito forte que, junto com o nervosismo, colocava um nó na minha garganta. Mas eu adorava cantá-la. E sentia que as pessoas gostavam dela, também. A letra é tocante e a melodia e o arranjo são melancólicos, bem ao modo do Roberto. Um amigo me disse que “Meu pobre blues” lhe remete aos parques de diversão que costumava ir quando era criança, em Varginha. Explicada a lembrança: quase todos nós, com mais de trinta, já ouvimos uma música do Roberto Carlos tocando no alto-falante de um triste parque num domingo à tarde.

Quando eu ouço uma música do Sérgio Sampaio, fico mais empolgada em desenterrar coisas esquecidas. Acho fundamental apontar o que há de novo na música brasileira. E não é pouco. Há muita coisa boa rolando longe dos canais tradicionais de mídia e de gravadoras. Mas apresentar o que está esquecido é muito bom também. Adoro quando canto uma música e as pessoas perguntam de quem é ou dizem que conhecem de algum lugar mas não sabem de onde. Como o Sampaio, há vários ilustres quase desconhecidos nessa história. Alguns recebem homenagens póstumas, outros são re-descobertos quando se tornam lavadores de carro ou frentistas, como é o caso de Cartola e Tom Zé. Muita gente, em todos os níveis, reverencia os esquecidos gravando, cantando nos botecos, remexendo nos porões das antigas gravadoras, remasterizando obras inteiras, postando nos blogs. Que bom que isso acontece.

Só consegui colocar aqui a mais conhecida do Sampaio. O bloco dele está na rua do Miçangas. E outros virão.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Confessando bem, todo mundo faz pecado.



Em "Ciranda da Bailarina", Chico Buarque e Edu Lobo falam do mito criado pelos palcos. De como ficamos embriagados pela expressão de um artista, criando uma imagem de perfeição, mesmo que seja só por alguns instantes. É um sentimento bem parecido com a paixão. Assim, às vezes é difícil imaginar o que a bailarina, a trapezista ou outro tipo de artista que faz coisas extraordinárias pensa, onde dorme, como vive. Hoje, bem menos, já que a vida dos artistas é dissecada pelos sites, revistas e programas de TV. Me perguntei isso, pela primeira vez, quando fui ao Holiday on Ice com mamãe e papai. Era o primeiro grande espetáculo que eu assistia. Fiquei pensando se os patinadores eram casados, se tinham filhos, se iam à escola. Minha mãe me disse que os artistas itinerantes costumavam se casar entre si. E assim era possível viver em família durante as turnês. Já pensou se toda companhia funcionasse como um circo familiar? As luzes eram lindas, em tons de lilás e alaranjado, e o espetáculo ganhou uma dimensão inexplicável aos meus olhos. No início dos anos 80, qualquer atração internacional em BH já significava “o acontecimento”. Ainda mais um espetáculo de patinação em que o Fred, o Barney, a Vilma, a Beth e o Dino faziam acrobacias no gelo, inimagináveis por uma criança comum. Mas a verdade é que a magia dos palcos, das telas de cinema e de TV não escolhe idade, cultura, tempo ou lugar. Mesmo os mais críticos e céticos são seduzidos por ela. Ainda bem que é assim.

Enxergar o lado humano de um ídolo não é das melhores tarefas. E pode ser cruel com eles, já que eles também se irritam, tomam todas, têm problemas de pele, de estômago, de tpm, de família e de dinheiro. Até o Caetano.

Conheci o Caetano na infância, me apaixonei perdidamente por aquele leonino na adolescência e, há uns dez anos, resolvi encontrá-lo depois de um show. Não tinha um tostão furado mas ganhei o ingresso do meu namorado. Chamei um amigo (fã xiita) que conhecia bem o funcionamento do Palácio das Artes e fui. Depois do show comecei uma caçada. A Paula Lavigne mandou o motorista, que já era nosso chapa, avisar que Caetano não iria falar com ninguém. Básico. Mesmo assim, fui a todos os cantos possíveis, tentei cercar todas as saídas ao mesmo tempo e, finalmente, consegui encontrá-lo em um dos corredores. Quando nos viu, já foi dizendo, com a cara mais enjoada do condado, que não daria autógrafo. Eu, particularmente, não conheço nada mais sem sentido do que um autógrafo. Jamais pediria um a alguém. Mas isso bastou pra eu me sentir minúscula perto do meu ídolo. Mesmo assim, eu disse:
- E eu lá quero autógrafo, Caetano? Ele me olhou desconfiado e, antes que fosse mais grosso, falei que queria uma foto, apenas. Aí ele disse, com aquele jeito abaianado, com todos os fonemas abertos:
- Fóto, póde...

O fogo apagou em menos de uma semana e, depois, não tive mais vontade de defender o Caetano a qualquer custo, de travar discussões exaltadas sobre ele, e passei a enxergar o quanto o cara é mimado e chato. Tive que sentir na pele pra entender. Continuo amando o que ele tem de bom, e não é pouco. Aliás, tenho um amigo que diz que o maior defeito do Caetano é ser bom. Porque, aí, temos que fazer uma ressalva quando falamos mal dele. É chato mas é genial. Procuro, então, ver meus ídolos como vejo as pessoas queridas que me cercam. Humanos e imperfeitos como eu. O que também não é muito fácil. Mas prefiro não procurar saber se elas têm pereba. Quem não tem?


domingo, 6 de julho de 2008

Nosso amor que eu não esqueço.


Se tem alguém que sabe falar de sentimentos opostos, com a mesma força, é Noel Rosa. Suas músicas são divertidas, tristes, hilárias. Outras, contundentes. Último Desejo é uma dessas corta-pulsos de que eu gosto muito. Só a conhecia por minha mãe. Ela cantava no carro, despertando o mau-humor do meu pai que ficava incomodado com tanto sentimentalismo. Eu também me incomodava um pouco. Achava que ela estava triste, quando cantava. E, provavelmente, estava. Não me esqueço da cena: arqueava a sobrancelha, fechava os olhos, colocava a mão no peito e cantava com unção. Nem aí pros incomodados.

Um tempo depois vi o Boca Livre cantando Último Desejo no programa Globo de Ouro. Chamei minha mãe e disse: - olha a sua música, mãe! Desde então ela passou a ser minha também. Depois, comecei a gostar de cantá-la. Acho que a ironia entre os versos a torna mais leve, sugere nuances na interpretação. Dor de amor em música não me deixa triste. Fico feliz quando ouço e canto, pra dizer a verdade.

Antes, algumas músicas eram sinônimo de baixo astral pra mim. Tinha pânico de Rosa de Hiroshima. Hoje, só vejo beleza na música, na poesia e na voz. Tinha medo de Tropicália. Aquela introdução de metais densa me amedrontava. Tinha medo pela letra também. Imaginava os aviões decepando a cabeça do sujeito. Hoje, é uma das minhas preferidas. A voz grave do Nelson Gonçalves acabava com meu dia. Atualmente, pesquiso a obra dele. Que eu me lembre, as únicas músicas que ainda conseguem me deixar mal são Ces’t La Vie e aquela que fala do avental todo sujo de ovo da mãe. Essa última me faz chorar desde a época do maternal. Sei lá por quê. E, é claro, as ruins continuam me tirando do sério.

Acho que pra cada fase da vida da gente tem uma música que fala mais alto, grita, sussurra, machuca ou faz carinho. Música tem esse poder. E Noel Rosa é muito poderoso. Soube rimar amor, alegria e dor. Na arte e na vida.

14 de maio de 2008.


Com açúcar, com afeto.


Neste ano eu fiz mais campanha pro Dia dos Namorados do que cartão de Natal no ano passado. Pra motel, joalheria, restaurante japonês, batom e até pra drogaria. Trabalho delicioso de fazer mas dá uma dor fininha, como diz minha amiga, quando a gente não tem namorado. Mas isso é outra história. Entrei no clima e estou ouvindo muita música romântica, especialmente as norte-americanas. Um festival de “I love you” que sempre me chamou a atenção. "I want tell you how much I love you" - linda. "Baby, baby, baby, baby, oh, baby, I love you" - um melado de amor. "I just call to say I love you" – nem parece que é do Stevie Wonder.

Brasileiro fala muito de amor mas não usa tanto “Eu te amo” na música. Eu sei que os sertanejos modernos abusam. O pessoal do Axé também. O respeitável Roupa Nova gravou uma música em que o cara fala que precisa gritar pra todo mundo ouvir, é verdade. Mas a música brasileira me parece mais original pra falar de amor. Fala mais da dor e da falta dele, isso é verdade. O nosso talento pra tal é tanto que a Nara Leão encomendou uma música ao Chico que contasse a história de uma dona de casa que agüentava poucas e boas do marido bebum mas abria os braços pra ele à noite, com todo amor e carinho. Ganhou uma obra-prima pra cantar - sem dizer “Eu te amo”. “Ai que saudades da Amélia”, do Ataulfo Alves e do Mário Lago, foi composta em 1942 mas estourou em pleno pós-guerra, na crista da onda sentimental-romântica das nossas rádios. E não tem a famosa expressão. A gente tem Vinícius e Toquinho pra dizer que o amor é uma agonia. Tem Lenine pra falar que o amor se foi desesperado. Tem Torquato e Edu pra contar que o amor foi tanto... e, no entanto, não tem muito “Eu te amo” na obra deles.

Convenhamos: até o amor de corno é mais bacana em nossa boa música. "Molambo", do Jaime Florence e Augusto Mesquita, é um bom exemplo. O sangue latino e a diversidade da cultura brasileira moldaram a nossa forma dolorida e refinada de expressar o amor. A gente não copia o “Eu te amo, então, feche os olhos e venha comigo” dos americanos. E a dor é o nosso grande canal. Afinal, como diz o Gil, que tem música pra tudo, “quando a gente tá contente, nem pensar a gente quer”. Quanto mais, falar.

Não sei se eu estou pirando ou se as coisas estão melhorando.


Ontem vi, em uma espécie de making of do carnaval baiano, Daniela Mercury falando despretensiosamente sobre o Wando, sobre o que ele representa para a música brasileira e de como nos apropriamos das histórias dela, como se fosse a nossa própria história. Pensei, então: é isso que me faz escrever esses textos. Desde criança eu tenho o hábito de buscar uma música para ilustrar o que alguém diz ou o que eu mesma digo, vivo. Sem esforço. É um prazer.

Um dia minha analista me pediu que escrevesse o que eu estava sentindo e entregasse a ela. Percebi que seria muito mais eficaz se eu levasse pro consultório a letra da música que tinha martelado minha cabeça durante a semana. Foi o que eu fiz, e deu muito certo.

A música Mamãe Natureza me diz muita coisa desde que a ouvi pela primeira vez. Meu irmão me aplicou e eu saí dançando feito doida pela casa. Como eu era criança, certamente ela me pegou pela veia de rock da Rita Lee, pela melodia e ritmo pra lá de contagiantes. Mas continuou me martelando à medida em que fui crescendo. Já vivi muitas questões parecidas com as dessa letra. Especialmente, “Não sei se eu vou ter algum dinheiro ou se eu só vou cantar no chuveiro.” Esta já me custou algumas sessões de análise. Mas, um dia, me deram alta.

Ando cantarolando essa música novamente. Acho que as coisas estão melhorando. Ou, então, estou pirando mesmo. Me sinto acolhida. Se é pela mãe-natureza, por minha mãe, por meus amigos ou por mim mesma, não sei. Não tem mais ninguém fora dessa lista pra me colocar no colo. Disso eu sei. Mas é bom o que estou sentindo agora. Sou uma planta com raíz, caule e folhas. Tenho cabeça, ombro, joelho e pé. Parece que não me falta nada. Me dei alta. 

05 de maio de 2008.

Eu já nem sei se eu tô misturando.

Outro dia fui assistir, pela segunda vez, a uma peça do grupo de teatro de uns amigos, a Cia Luna Lunera. Se tivesse tempo, iria ver mais uma vez. A montagem foi feita a partir de um conto do Caio Fernando Abreu, “Aqueles Dois”, do livro "Morangos Mofados". Fala de um relacionamento entre dois homens, Raul e Saul, que se trava em uma repartição pública fria, no frio de São Paulo, sob olhares frios, incomodados com o amor daqueles dois. É de uma delicadeza cortante. Na trilha, "Amor meu grande amor", "Preciso dizer que te amo", "Nothing compares to you". "Tu me acostumbraste" e outras que falam de amor. Algumas são citadas no próprio texto e outras foram pinçadas com muita sensibilidade pelo grupo.

Chorei, mas saí do teatro eufórica, transbordando amor pela vida e pelas coisas que ela me dá. Coisas valiosas como o próprio amor, uma música, um filme, um amigo, um sorriso, um livro. A vida me permite ver muito bem a beleza disso tudo. E me permite amar as pessoas, sem culpa e sem medo. Tem muito sentimento saltando de nós pra gente querer sufocar logo os mais bacanas.

No texto, Raul fala de não ter correspondido a um abraço da sua mãe, por um daqueles resquícios inexplicáveis de adolescência que nos faz ter vergonha de demonstrar e receber afeto de quem a gente mais ama. Isso acontece com muita gente, eu sei. E também não estou livre disso. Mas amor, cumplicidade, amizade, a gente mostra até na bandeira de um sorriso, como diz a música. Vale muito. O que importa é trocar sentimentos que nos fazem melhores. A vida é bela, gente. Só nos resta viver.

O beijo, depois o café, o cigarro e o jornal.


Não é que eu goste do Roberto Carlos. É que eu adoro. E adoro suas parcerias com o Erasmo. As músicas deles falam de coisas simples e muito presentes. A figura do Rei, seu carisma, seu amor pelo que faz, tudo isso me emociona. Acho uma pena ele estar tão perturbado e não compor mais músicas como “Costumes”. Esta certamente foi feita para a Nice, já que ela e Roberto haviam se separado pouco tempo antes do lançamento de seu LP de 1979.

“Costumes” fala da falta que aquelas coisinhas pequenas feitas a dois nos fazem: a primeira conversa da manhã, quando o "bom dia" não faz muito sentido, o beijinho, os encontros com os amigos. Sabe aquela sensação horrorosa de que perdemos alguma coisa, de que estamos deslocados em nosso próprio espaço? É assim que essa música pega a gente e dá uma lambada. Mas é quase um fado, de melodia simples e sentimental.

O Roberto e a Bethânia cantam “Costumes” Ad libitum, que significa “à vontade”. Em Música, quer dizer que o intérprete tem uma certa liberdade para dividir, que não está preso a um ritmo marcado. Aliás, muitos fados são cantados e tocados assim. Penso que seja para dar ao ouvinte um tempo para se embriagar da música e da interpretação, e refletir sobre suas próprias dores. E se a saudade dói tanto, com fado ou sem, é porque foi bom, porque os costumes nos fizeram felizes um dia. É por isso que eu adoro o Roberto e o Erasmo.

Há pouco tempo assisti a uma entrevista da Nara Leão, da época do lançamento de seu LP só com músicas da dupla. Ela disse que precisou se despir de muitas coisas pra interpretá-las como deveria. Certamente, depois de sua fase bossa-nova, seguida do engajamento social, deve ter sido difícil cantar coisas pouco subjetivas como “eu te proponho nós nos amarmos.” É por isso, também, que eu adoro a Nara. Pequena, simples, corajosa e livre. Ser livre assusta. É dói se libertar dos costumes. É assim mesmo. Eu sei.

27 de março de 2008.

Se tudo tem que terminar assim, que pelo menos seja até o fim.


Quando conheci essa música, Caleidoscópio, ainda não havia Herbert Vianna pra mim. Havia Paralamas do Sucesso, banda bacana pra embalar as festinhas. Os Long Plays do Paralamas tocavam inteiros.Todo mundo cantava numa só voz. E havia Dulce Quental, que lançou essa música maravilhosamente. Pra quem não se lembra, Dulce era vocalista de uma banda com nome de absorvente, Sempre Livre, formada por mulheres muito modernas para os anos 80, que pareciam nem precisar de um homem pra chamar de seu. Mas a banda e a Dulce cantavam o meio e o fim de alguns relacionamentos. O meio e o fim de alguns amores. 

Nessa época, pra mim, terminar era um drama ainda não vivido e que eu achava que tinha chances de não viver. Talvez porque ainda não tinha começado nenhum relacionamento. Só sonhava com eles. E também porque queria acreditar no amor que não vai embora. Me achava muito competente pra viver um amor eterno. Depois, desejei várias vezes que esses relacionamentos e amores fossem embora e dessem lugar a outros. Mas mandar embora um amor sempre foi complicado e nem sempre eles iam por conta própria. 

O fato é que toda vez que termino um relacionamento, querendo ou não querendo terminar, me vem a sensação de que eu nunca mais darei conta de passar por isso. Ao mesmo tempo, é tão bom se sentir livre pra pensar só por um, agir só por um e mudar a sua história somente, e a de mais ninguém, enquanto há tempo... Sim, porque pra muitas coisas que eu poderia querer fazer, o tempo já passou. Quando eu tinha 18 anos, dizia: - Só não dá mais pra fazer ballet ou ginástica olímpica. Com 23 eu pensava: - Não dá mais pra ficar beijando na porta da faculdade ou dentro do carro - embora nunca tenha sido muito rígida com essa questão. Com 28 eu já sabia que nunca mais poderia usar uma microssaia. Aos 31, deixei as mini-blusas de lado. Questão de ponto de vista. 

Mesmo que eu não volte ou comece a fazer tudo isso, ainda tem muita coisa que se pode começar ou voltar a fazer aos 35. Pode-se voltar a tocar piano, a cantar, a fazer yoga, a ler mais, a viajar. Aliás, tudo isso é possível até pra uma idosa de 70 anos. O problema é que, quando estou meio de luto, me sinto com mais de 70 ou muito gorda. Pra falar a verdade, só às vezes me sinto velha e gorda. Na maior parte do tempo, não. Então, eu posso começar pelo que já fiz e tive que parar por causa desses fins de relacionamento que não são, necessariamente, o fim do amor. Este sim, o fim do amor, deveria durar só um fim-de-semana. Porém, a gente sempre precisa de mais tempo pra entender que acabou e que, ao mesmo tempo, não é o fim. É o começo. O que vai embora primeiro? Questão de ponto de vista. 

18 de março de 2008.